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Brasil avança, mas ainda está na “zona de rebaixamento” da inteligência artificial

Estudo da consultoria Everis em parceria com a Endeavor mostra que o número de startups de inteligência artificial cresceu no Brasil, mas ainda esbarra em entraves como investimentos e escassez de talentos

Dos pedidos feitos pelo aplicativo Rappi e filmes sugeridos na Netflix aos algoritmos treinados para identificar fraudes bancárias ou aumentar a produtividade de lavouras. Não são poucas as aplicações baseadas nos conceitos de inteligência artificial e machine learning sendo desenvolvidas por empresas dos mais variados setores da economia.

A pesquisa “O Impacto da Inteligência Artificial no Empreendedorismo”, realizado pela consultoria Everis em parceria com a Endeavor, tenta responder qual é o grau de maturidade e os desafios do mercado latino-americano. E a conclusão é que a região avança, mas está ainda muito longe de mercados mais maduros, como os americanos e asiáticos.

Antecipada com exclusividade ao NeoFeed, a segunda edição do estudo usa como base para avaliar o desenvolvimento do ecossistema o Índice de Nível de Inovação e Crescimento de IA (INICIA), criado pela consultoria. Ele leva em conta variáveis como ano de fundação das empresas, vendas, empregos, investimento recebido e técnicas de IA adotadas.

Os resultados indicam que o índice da região subiu de 32%, em 2018, para 48%, em 2020. Hoje, a América Latina tem 490 empresas de inteligência artificial, contra 240 do estudo anterior. Essas companhias empregam mais de 38 mil pessoas, captaram mais de US$ 2,2 bilhões e têm um faturamento combinado superior a US$ 4,2 bilhões.

“A região demorou para entender como a inteligência artificial pode ser importante”, afirma Evandro Luis Armelin, head de Data & Analytics da Everis Brasil, ao NeoFeed. “Mas agora estamos vendo um verdadeiro boom de aplicações.”

Nesse cenário, o Brasil ocupa um papel de destaque. O país conta com 206, ou 42% do total de empresas identificadas. O México aparece em segundo lugar, com 97 companhias, seguido pelo Chile, com 57.

Apesar do desenvolvimento, a América Latina, que tem menos de 0,5% do investimento privado global em inteligência artificial, ainda está muito distante de ecossistemas mais maduros, como Estados Unidos e China.

De acordo com o Artificial Intelligence Index Report 2019, da Universidade de Stanford, apenas 0,2% das citações em patentes relacionadas à IA no mundo vêm da região, contra 60,4% da América do Norte e 22,1% da Ásia Ocidental e Pacífico.

“Em uma analogia com o futebol, o Brasil está brigando para sair da zona de rebaixamento”, diz Cezar Taurion, vice-presidente de Inovação da CiaTécnica Consulting e titular da coluna Mente Programada, no NeoFeed. “Falta uma cultura nas empresas de investir nesse conceito. O discurso todo mundo tem, mas há um certo exagero em se chamar qualquer coisa de inteligência artificial.”

Segundo o estudo, cerca de 61% dos empreendedores mencionaram ter recebido algum tipo de investimento. O capital semente é o mais comum (52%), seguido de investimento-anjo (26%). Como 87% das empresas foram fundadas entre 2016 e 2019, esse perfil de aporte confirma que muitas delas ainda estão em fase inicial, o que contribui para o menor grau de maturidade do ecossistema.

Com 206 companhias de inteligência artificial, ou 42% do total de empresas identificadas no estudo, o Brasil ocupa um lugar de destaque na região

“O estudo aponta que a adoção de IA é um caminho sem volta. E não apenas no setor de empreendedorismo, que é nosso foco, mas em todos os segmentos”, afirma Armelin. “O quanto essa curva exponencial vai se inclinar depende da seriedade e do foco que a gente coloca nesse tema.”

Há ainda um certo bloqueio cultural ao uso da tecnologia tanto pelas companhias quanto pelos clientes. Dentro das empresas há uma parcela de funcionários que acredita que perderá seus empregos, substituídos por máquinas.

Já na ponta dos clientes, há uma desconfiança em relação a algumas aplicações da inteligência artificial, como o uso de chatbots , que, em uma definição mais exigente, nem podem ser chamados de IA.

“Temos que ser realistas e trabalhar em cima dessa situação”, diz Taurion. Segundo ele, não há uma estratégia de Estado, como em países como o Canadá, para fomentar a pesquisa e adoção de IA, e a mudança exigirá um grande esforço. “Será preciso investir tempo, energia e dinheiro para mudar a cultura das empresas e transformar essa realidade.”

O terceiro grande desafio, e talvez o mais sério, é a escassez de talentos especializados. “Há uma demanda anual no Brasil de 70 mil profissionais de tecnologia. Formamos apenas 30 mil”, afirma Domingos Monteiro, CEO da Neurotech, empresa especializada em desenvolver plataformas de IA.

A startup nasceu em 2002, a partir de um projeto de pesquisa para entender como a IA poderia ser usada para coletar dados e tornar o futuro mais previsível. E só recebeu um aporte, de valor não divulgado, em 2013, feito pelo fundo TMG Capital.

Hoje, a empresa tem 250 funcionários, 80% deles na área de tecnologia, e oferece soluções para o varejo, mercado financeiro e seguradoras. Em 2020, cresceu 40% e, para 2021, espera crescer mais 30% e atingir R$ 90 milhões em faturamento.

“Acreditamos que a inteligência artificial veio para potencializar a capacidade humana”, diz Monteiro. “Mas estamos atrasados. O Brasil peca em algumas frentes e formação é uma delas.”

Existem iniciativas que tentam reverter essa situação. É o caso do Hub de Inteligência Artificial do Senai de Londrina, que desenvolveu um programa de residência em IA, com duração de um ano, que forma profissionais ao mesmo tempo em que desenvolve projetos para empresas parceiras.

Em cada edição até 10 empresas interessadas podem participar, por meio da compra de cotas de R$ 90 mil. Ao mesmo tempo, o programa seleciona até 20 candidatos. Além das aulas, eles recebem uma bolsa de R$ 2,5 mil para desenvolver provas de conceito para essas companhias a partir dos módulos do curso.

“É um formato benéfico para todos”, afirma Henry Carlo Cabral, gerente do hub. “O profissional sai com uma pós-graduação e tem a oportunidade de trabalhar com cases reais.” Para as empresas, a vantagem é testar soluções de forma rápida.

A primeira edição recebeu mais de 500 inscrições de profissionais interessados. A lista de empresas parceiras conta com Bosch, Grupo Boticário, Unimed e a cooperativa agrícola Cocamar. O hub está com inscrições abertas para a terceira turma. Mas ainda é pouco para dar conta da demanda reprimida.

“Falta estímulo, é verdade, mas as empresas já entenderam que é algo que veio para ficar. Como a internet”, afirma Fernando Vilela, CMO do Rappi. “E, na minha visão, a área de IA do Brasil já é referência.”

“Falta estímulo, é verdade, mas as empresas já entenderam que é algo que veio para ficar. Como a internet”, afirma Fernando Vilela, CMO do Rappi

O Rappi é justamente uma das empresas da região que têm investido fortemente nesse conceito. Cada vez que um pedido é feito, os algoritmos do aplicativo sabem quando é preciso redistribuir os entregadores, oferecendo incentivos nas áreas de maior demanda.

Em outras aplicações, a plataforma identifica qual bairro não está sendo atendido por um tipo de restaurante ou em qual momento do dia um consumidor está mais inclinado a encomendar, por exemplo, um doce.

O sistema aprende com as informações coletadas por seus mais de 100 mil entregadores cadastrados em todas as sete praças em que atua na América Latina. Essa massa de dados é analisada por uma equipe que trabalha diretamente na área de IA e que hoje é formada por cerca de 10% dos 800 funcionários da companhia.

A partir da própria experiência do Rappi, Vilela tem uma visão otimista quanto à evolução desse mercado no Brasil. Para ele, já há uma percepção no País de que o desenvolvimento tecnológico é a chave para o crescimento econômico e que é apenas uma questão de tempo para que o ecossistema brasileiro esteja consolidado. “Isso exige um tempo de maturação de alguns anos, mas veremos uma explosão de crescimento em inovação na área”, afirma.

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